Por mais incrível que pareça, estamos nos perdendo de vista o tempo todo. Tudo começa na infância. Críticas demais ou de menos, educação muito rígida ou muito solta. Depois vem a adolescência. Amores não correspondidos. Pirações com o próprio corpo. Humor flutuante e autoestima em construção.
Depois, na fase adulta, mil questionamentos, mil perguntas sem resposta. Optar por uma carreira mais rentável ou mais prazerosa? Casar ou simplesmente morar junto? Ter filhos ou não? Trabalhar para viver ou viver para trabalhar? Seguir rigidamente determinados padrões ou jogar tudo para o alto?
Quando vivemos uma vida inexpressiva, sempre determinada por padrões sociais , com pouca autenticidade e relações muito formais, costumamos nos sentir culpados em relação a nós mesmos e em algum momento nos perguntamos: Onde foi que eu me perdi? Sim, podemos nos perder do nosso essencial quando começamos a pensar com a cabeça dos outros e a fazer escolhas a partir daquilo que as outras pessoas vão dizer ou pensar.
Pessoas que se conhecem pouco, que não refletem sobre si mesmas, que não se analisam nem investigam suas potencialidades e limitações tendem a viver vidas menos energéticas, mais pobres em termos de experiências afetivas. E quando falo afetivas, me refiro a todo tipo de amor que uma pessoa pode experimentar, incluindo relações familiares e amizades.
Quando damos muito crédito também a pessoas excessivamente críticas, que nunca gostam de nada ou não veem encanto em ninguém, tendemos também a nos perder de nós mesmos. Deixamos de valorizar os nossos próprios méritos e conquistas.
Nem todas as pessoas são aplaudidas na infância e na adolescência. Muitas vezes, excessivamente preocupados em dar a melhor educação possível, muitos pais se esquecem de elogiar, incentivar e demonstrar admiração, acreditando que apenas más ações devem ser comentadas já que as boas não incomodam. Muitas vezes uma mãe ou pai inseguro também pode sem querer, sem se dar conta, projetar seus medos e inseguranças no filho, fazendo-o dividir os fardos que ela ou ele carregam. Irmãos, primos e amigos também podem fazer isso, mesmo que inconscientemente e sem intenção de ferir.
Relações são espelhos. Nos vemos por meio do olhar do outro. Mas como todo espelho, a imagem vem invertida e sujeita a distorções. A subjetividade alheia não deve determinar a nossa. Falar é simples. Pôr em prática é complicadíssimo, principalmente quando a imagem invertida e distorcida vem de uma pessoa muito próxima e querida.
Mas é preciso lutar contra padrões e olhares que quebram a nossa alegria, a nossa vontade empreendedora , o nosso apetite em relação à vida. Lutar conta os valores e olhares não significa necessariamente lutar contra o dono do olhar. É preciso aprender a ponderar, relativizar, filtrar antes de absorver tudo o que ouvimos e vemos.
Por meio da autoanálise, da vivência artística, da meditação ou da psicanálise, entre outras formas de terapia, é possível se conhecer e se entender melhor, evitando assim o excesso nocivo de informações que pouco ou nada contribuem para o nosso crescimento.
Por: Sílvia Marques* | Fonte: Obvious
*Doutora em Comunicação e Semiótica, psicanalista lacaniana, escritora e atriz. Indicada ao Jabuti 2013. Idealizadora da Pós em Cinema do Complexo FMU. Atendo adolescentes e adultos em São Paulo. www.psicanalistasilviamarques.com.